quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"O MESTRE IGNORANTE ''

O Mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação
intelectual, de autoria de Jacques Rancière, é uma obra
de cunho filosófico e traz-nos importantes reflexões
sobre a emancipação intelectual dos indivíduos,
discutida através da relação entre a educação e a
pedagogia, pois “todos os homens têm igual
inteligência” e a instrução é como a liberdade, ou seja,
não é uma dádiva, precisa de ser conquistada. É um
livro que aborda questões fundamentais sobre o
ensino, com proeminência ao método "panecastic", ou
educação universal, desenvolvido pelo pedagogo
Joseph Jacotot, que considerou o caminho para
emancipação intelectual. O livro utiliza uma linguagem
que está ancorada numa cultura social e filosófica.
Pode ser considerado como um dos clássicos do
pensamento político do século XIX e, por que não
dizer, um manifesto político da época.
A publicação está dividida em cinco capítulos,
intitulados respectivamente: Uma aventura intelectual, A
lição do ignorante, A razão dos iguais, A sociedade do desprezo
e O emancipador e suas imitações.
No Capítulo 1, Uma Aventura intelectual, evidencia-se
uma façanha intelectual do mestre francês, Joseph Jacotot, vivida no século XIX (1818), quando foi
convidado a ministrar francês a um grupo de estudantes que falavam somente o holandês
(flamengo) e Jacotot, por sua vez, ignorava totalmente esta língua. Partindo desta premissa, ele
encontrou como saída a utilização do livro intitulado Telémaco para que os alunos pudessem ler e,
em seguida, discutir com o mestre. Tal foi sua surpresa ao perceber que mesmo não tendo dado “seus 'alunos' nenhuma explicação sobre os primeiros elementos da língua” (Rancière, 2007: 20)
O mestre ignorante 2
francesa, eles conseguiram superar as suas expectativas, no sentido da apreensão do conteúdo de
forma significativa. Neste sentido, ele concluiu que era necessário inverter a lógica do sistema
explicador, desenvolvendo, assim, um novo método de ensino e aprendizagem não mais baseado
na explicação, mas sim na emancipação, que se pode tornar efectiva pela vontade e pelo próprio
desejo de aprender ou, mesmo, pelas contingências da situação.
Portanto, o que a obra aborda é uma relação que foi estabelecida partindo da vontade de
aprender dos alunos frente ao desafio proposto pelo educador, não necessitando, para isso, das
explicações minuciosas do explicador para trilharem seu caminho; ou seja, a aprendizagem na
perspectiva do mestre foi emancipadora, uma vez que não estava, necessariamente, determinada
pela inteligência do professor, não sendo, desta forma, embrutecedora.
O acto de aprender poderia ser efectivado sob diferentes perspectivas: por um mestre
emancipador ou por um mestre embrutecedor, por um mestre sábio ou por um mestre
ignorante. Contudo, sobre o que a obra nos faz reflectir é que pode ensinar-se o que se ignora,
desde que se emancipe o aluno, instigando-o a usar a sua própria inteligência. Mas, para isso, é
imprescindível que o próprio mestre seja emancipado para que possa dar início ao círculo da
emancipação, pois, segundo Freire (1987: 39): “O educador já não é o que apenas educa, mas o
que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os
'argumentos de autoridade' já não valem. Em que, para ser-se funcionalmente, a autoridade, se
necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.”
Esta nova forma de conceber o saber foi denominada de Ensino Universal, uma vez que
preconiza uma aprendizagem sem o mestre explicador, cujo princípio reside em aprender e saber
aplicar este conhecimento em outros contextos, estabelecendo relações e conexões com
conhecimentos anteriores, através dos princípios: selecção, progressão e incompletude.
Já no Capítulo 2, A lição do ignorante, o autor procura sintetizar as considerações de Jacotot em
face dos resultados das actividades desenvolvidas pelos alunos, no âmbito das quais apresenta
três princípios para desenvolver seu método de ensino e aprendizagem, nomeadamente:
Todos os homens têm igual inteligência;
Cada homem recebeu de Deus a capacidade de instruir-se;
Tudo está em tudo.
Por outras palavras, o que ele pretende dizer com isso é que toda a manifestação humana é um
arcabouço de oportunidades para o crescimento intelectual, justamente por existir no seio de
qualquer manifestação humana um quê de ardiloso, de valioso e intencional. Podemos, então,
referir que o autor assume o pressuposto de que não há hierarquia de capacidade intelectual,
indicador necessário para fomentar a emancipação.
Sob essa perspectiva, Jacotot desenvolveu seu próprio método que começa pelo texto e não pela
gramática, considerando que o método que começa pelas letras “dirige os alunos segundo o
princípio da desigualdade intelectual e, sobretudo, da inferioridade intelectual das crianças”
(Rancière, 2007: 49).
É fundamental que o sujeito seja capaz de interpretar a realidade que o circunda e perceber-se
como sujeito participativo no seu contexto social, político e cultural. Por esse motivo, Ranciére
tece críticas ao método socrático, pois, segundo ele, é uma forma aperfeiçoada de
embrutecimento, uma vez que não conduz ao conhecimento.
Enfatiza que a verdadeira aprendizagem pode acontecer por meio do mestre ignorante, em que
uma das premissas básicas é verificar se o aprendiz está a pesquisar continuamente, tentando
sempre relacionar com o que já conhece, pois “a emancipação é, antes de tudo, o inventário das
competências intelectuais do ignorante” (Rancière, 2007: 61). Nesse sentido, é essencial buscar o
todo da inteligência humana em cada manifestação cultural (panecástica), pois o que embrutece
as pessoas não é a ausência de instrução, mas sim a interiorização que as faz acreditar que têmcompetências e inteligências inferiores.
No capítulo 3, A Razão dos iguais, Jacques Ranciére começa por questionar o conceito de opinião.
Embora considerando que as opiniões não devam ser encaradas como verdade, contudo, podem
despertar para o conhecimento. A partir da observação, verifica que a aprendizagem individual
sem orientação de um mestre, é possível. O que o autor pretende “não é provar que todas as
inteligências são iguais. É ver o que se pode fazer a partir desta suposição.” (Rancière, 2007: 72).
Em oposição àqueles que consideram que a desigualdade inicial das inteligências explica o facto
de certos indivíduos serem mais bem sucedidos que outros por serem mais inteligentes, Ranciérecontrapõem com o princípio de que os indivíduos são igualmente inteligentes. O
desenvolvimento da inteligência pode ser visto como uma associação entre a vontade e o poder
racional. É a vontade de aprender e de procurar incessantemente, por iniciativa própria, que
confere significado às coisas. Esta racionalidade, guiada pela vontade, gera a verdade.
Segundo Ranciére, o princípio da veracidade resulta da experiência da emancipação. No processo
de emancipação o homem aproxima-se da verdade, pois a “verdade existe por si mesma; ela é o
que é e não o que é dito” (Ranciére, 2007: 88). Neste caso, o mestre explicador desempenha uma
função perversa ao limitar os percursos emancipadores de cada indivíduo.
A improvisação é o caminho fundamental para a emancipação e constitui oconstitui o exercício
fundamental para o homem se manifestar, se conhecer e comunicar na e por meio de sua cultura.
Assim, a virtude da nossa inteligência está mais em fazer do que em saber. E, como esse fazer é,
fundamentalmente, um acto de comunicação, é pela palavra que o saber prolifera: “os
pensamentos voam de um espírito a outro nas asas da palavra”, diz o mestre; “todo saber fazer é
um querer dizer” (Ranciére, 2007: 98). Ranciére termina este capítulo reforçando a ideia de que a igualdade das inteligências é o que
torna possível a sociedade humana. Considera que a inteligência é a potência de cada indivíduo
se fazer compreender e que essa compreensão só é possível entre iguais. O desenvolvimento da
inteligência é função da vontade que, por sua vez, potencia a razão.
A submissão do aluno face ao mestre encontra eco no conceito de opressor e oprimido referido
por Paulo Freire. De facto, este autor considera que algo precisa ser reflectido, ou seja, a
desumanização através da relação entre opressor e oprimido. O opressor reproduz o processo da
injustiça e das desigualdades sociais. O oprimido precisa da humanização através da liberdade
(emancipação), da justiça e da igualdade social. Esta igualdade social só pode acontecer se partir
do princípio que todos somos essencialmente iguais, o que permite a compreensão mútua e,
consequentemente, o desenvolvimento social e a humanização. Paulo Freire, tal como Ranciére,
acredita que o sistema educativo actual apenas perpetua as desigualdades, uma vez que parte do
princípio que a igualdade social é uma realidade. Como tal, o que poderá funcionar como
explicação são as desigualdades das capacidades individuais. Ao transpor esta lógica do maiscapaz e do menos capaz para o todo social se poderá justificar a dominação de uns por outros.
Tal como Ranciére (2007) e Freire (1987), Santos (2006), na sua obra A gramática do tempo: para
uma nova cultura política acredita que o sistema político actual perpetua a desigualdade e a exclusão
como resultado de uma hierarquização sistémica. Segundo este autor, a desigualdade é
fundamentada porque hierarquiza os indivíduos.
Na sua obra “Um mundo infestado de demónios”, Carl Sagan (2002) acredita na “inocência” da
infância do processo de aprendizagem, ou seja, na vontade de aprender por aprender, na ausência
do medo de errar e no entusiasmo de aprender. No entanto, este caminho emancipador é
truncado pela sociedade. O autor comprova que na adolescência aquela “inocência” desaparece,
a formalidade e a homogeneidade reinam e a magia de aprender desaparece uma vez, que os
alunos deixaram de seguir o seu caminho e passaram a seguir o caminho de outros.
No capítulo 4, A sociedade do desprezo, Rancière estabelece uma dicotomia entre a inteligênciaindividual e o contexto social. Só numa lógica individual, na qual cada indivíduo recorre à sua
“vontade razoável”, se pode conduzir adequadamente a inteligência. O tecido social é arbitrário,
pois depende do conjunto de vontade livre dos membros que a constituem. E é a dificuldade de
harmonização das vontades e razões do conjunto social o que explica a sua arbitrariedade, ou
seja, a sua “desrazão”. A emancipação intelectual proposta por Rancière funciona no âmbito de
uma lógica individual, que não repercute necessariamente na ordem social.
O que Rancière propõe não é uma verdade inegável, é uma “aventura de espírito”. A igualdade
das inteligências não constitui um dado científico que se impõe reconhecer, nem algo a ser
alcançado. Constitui uma proposta de transformação da “normalidade” vigente, uma forma de
instituir um princípio de iguais possibilidades de reconhecimento e de realização para todos. O espírito humano, sendo caracterizado pelo binómio vontade e inteligência, pode operar de
modo atento ou distraído. É a falta de vontade de operar a racionalidade através da inteligência o
que dá origem à distracção. Esta distracção significa um desaproveitamento da potencialidade
intelectual. Ora subestimar ou sobrestimar esta potencialidade individual abre caminho à
incomunicabilidade, visto que a comunicação razoável se funda na igualdade entre a estima de si
e a estima dos outros.
Ora, a “normalidade” parece ser a existência de um funcionamento social que promove um
reconhecimento desigual dos indivíduos, uma “paixão pela desigualdade”. É um funcionamento
destituído de razão, sendo exactamente por isso que se caracteriza como uma paixão. No tecido
social, a inteligência deixa de funcionar sob a batuta da racionalidade para ser trabalhada pela
vontade que está submetida à lógica da desigualdade, à lógica da retórica. Esta lógica tem
subjacente a vontade de imperar pelo convencimento e não pela clareza da razão. Há o que
Rancière considera uma perversão da vontade, que deveria estar a serviço da razão, mas neste
movimento de perversão é a inteligência que se submete à vontade. Daí a dicotomia homem/cidadão e emancipação intelectual/emancipação social. O homem
detém a possibilidade da razão, mas esta é inviável para o cidadão; o homem poder-se-á
emancipar intelectualmente e criar uma base de reconhecimento de igualdade entre outros
homens que se comunicam, mas esta não se transforma inevitavelmente em igualdade social.
Para o autor, só partindo do axioma da igualdade das inteligências se poderá contrariar o
“paradoxo da ficção desigualitária”. Por um lado, a falta de reconhecimento da igualdade básica
entre os indivíduos impede a afirmação da sua singularidade; por outro lado, torna-se importante
reflectir sobre a questão da dominação. Esta não tem qualquer justificação natural, desta forma
só o que é convencionado pela sociedade pode explicar esta questão. Isso não implica contudo
que a solução se encontre na extinção da ordem social, pois embora esta ordem seja baseada na
“desrazão”, a própria razão revela-se incapaz de solucionar a sua extinção. O homem razoável é
aquele que procura um equilíbrio entre o funcionamento dentro do conjunto social e umfuncionamento da sua própria racionalidade. Aliada à vontade, a razão é fundamental para operar
nos dois mundos, o pessoal e o social. A razão, exercendo o poder da igualdade reconhecida
entre os seres intelectuais, “faz-se acção social salvadora”(p.134)
O homem razoável não recusa operar no conjunto social, pois de que servirá a sua razão se não
tiver como gerar mudanças nesse mesmo conjunto? O desafio está no reconhecimento da
potencialidade de cada indivíduo enquanto ser dotado de inteligência e na tomada das rédeas dessa
razão inteligente, para que se possa assumir como igual a qualquer outro sujeito detentor da mesma
inteligência.
A ideia de emancipação em Rancière é sempre perspectivada numa lógica da relação de indivíduo
para indivíduo. Ela não assume uma lógica colectiva como defendido por Freire (1987). Este
mesmo autor apresenta a “revolução cultural” como um processo que estabelece o diálogo entre
o povo e quem governa. A educação será para além de um meio de emancipação intelectual, mastambém um meio de emancipação social. Para Rancière, a transformação está na assumpção da
igualdade individual, ou seja, na emancipação individual e intelectual, o que poderá não setraduzir numa emancipação social, pois o colectivo é caracterizado pela dificuldade da
razoabilidade.
Enquanto Freire propõe uma pedagogia, ou se quisermos um método, “Alfabetização de
adultos”, Rancière propõe uma aventura de espírito, sendo esta a vontade de assumir a igualdade
do homem como ser racional.
Mas existem pontos de contacto entre Rancière e Freire. Ambos põem a descoberto as brechas
da ordem estabelecida. Para Freire (1987), a desumanização é consequência de uma “ordem”
injusta e a educação não deve estar a serviço para incutir um falso predomínio de uns em relação
a outros, mas sim como processo libertador e gerador de uma relação dialógica entre os homens.
Para Rancière, a ordem social também não se revela o foco da transformação para o progresso. A
educação não servirá para dotar a sociedade de uma ordem; o que poderá essencialmente fazer
será fomentar a racionalidade. Fraser (2003), ao abordar a temática da injustiça social, mais especialmente o que designa por
injustiça cultural ou simbólica, explica a importância do reconhecimento social para a construção
pessoal do sujeito. O reconhecimento não constitui uma mera questão de cortesia social, a sua
influência é bem mais profunda: ele toca o mais interior do indivíduo, pois o reconhecimento é
uma necessidade psicológica básica. A proposta de Rancière está na linha do sugerido por Fraser.
Ao que Rancière apela é o sentido da igualdade como ponto de partida. Na sua posição mais
radical, o que Fraser (2003: online) sugere é “a transformação dos padrões de representação,
interpretação e de comunicação, o que irá influenciar significativamente a forma como nos
posicionamos diante da realidade imposta pela sociedade” Ambos consideram fundamental o reconhecimento da igualdade do outro como força
transformadora das relações dos indivíduos no contexto social. Contudo, para Rancière, este
reconhecimento da igualdade do outro será alavanca da emancipação intelectual e, para Fraser, este
será uma fórmula de combater a injustiça social.
No capítulo 5, O emancipador e suas imitações, Rancière explica que Jacotot acreditava que um pai de
família pobre e ignorante poderia ser o mestre de seu filho e instruí-lo. Ou seja, poderia ensinar
aquilo que ignora, partindo de algo e a esse algo, relacionar todo o resto. Este seria o princípio de
aprendizagem. A proposta de Jacotot não é construir sábios, mas sim trazer aos que vivem na obscuridade de um
mundo esquecido, sem vulto e sem voz, o caminho da luz e da compreensão do mundo,
entendendo-o e participando como sujeito. De acordo com o pensamento de Freire (1987),
conhecimento é um processo que foi construído, historicamente, que não deverá estar aprisionado
nos mecanismos de composição vocabular. Ele buscará novas palavras, não para colecioná-las na
memória, mas para dizer e escrever o seu mundo, o seu pensamento e para contar sua história.
Pensar o mundo é julgá-lo. A experiência dos “círculos de cultura” mostra que o alfabetizando, ao
começar a escrever livremente, não copia palavras, mas expressa pensamentos. Desta forma, tanto
Jacotot quanto Freire intencionam emancipar.
O método emancipador de Jacotot difunde a ideia de que todos os homens possuem igual
inteligência e “somente um homem pode emancipar outro homem”. As instituições escolares
não conseguem realizar tal ação, pois estão impregnadas de valores, de crenças e
intencionalidades, e ao formatar este homem, de acordo com esses princípios, ignora o aprendizdentro da sua história de vida e de seus saberes acumulados antes da sua entrada na instituição
escolar. Por isso Rancière, afirma em diversas passagens do livro que o “... Ensino Universal não
pode se dirigir senão a indivíduos, jamais à sociedade” (Rancière, 2007: 147).
O Ensino Universal é dirigido a todos, sobretudo aos pobres, que são aqueles que não têm condições
de pagar pelo trabalho de um explicador ou de investir longos anos na escola. O Ensino Universal é
libertador, emancipador e cria a possibilidade do sujeito se conhecer, bem como conhecer o contextoque o cerca.
Também é sobre esses pobres que pesa a crença da desigualdade da inteligência, pois fazem-nos
acreditar que os superiores de inteligência são aqueles que passaram pelos bancos escolares ou
por explicadores e que, através dos quais, conheceram os filósofos, as enciclopédias, os ditos dos
advogados, entre todos os outros saberes institucionalizados.
No entanto, a superioridade da inteligência pregada pelo contexto social é fictícia, foi convencionada
para estabelecer padrões, valores e normas para uma sociedade. Ao hierarquizar, a sociedade institui o
sentido de desigualdade, declarando aos inferiores a impossibilidade de usufruirem dos privilégios da
casta.
No entanto, essa hierarquia é reforçada pelos próprios ditos inferiores ao renunciarem ao seu
próprio potencial de aprender, questionar esses mesmos padrões, valores e normas vigentes, em
detrimento da sua permanência na impotência de pensar, o que não pode levar a mudança dasua. Nesse tempo, a hegemonia das instituições de ensino antigas, por escravizar e uniformizar o
ensino, ignorando e rotulando como inferior tudo o que não faz parte dessa universalização tida
como verdadeira. Por contraponto surgiram as ideias defendidas pelos progressitas, que
desafiaram a ordem instituída. Buscaram a verdade, ouviram afirmações e saíram com o
propósito de conferir, analisar, observar os fatos, escutar e reproduzir as experiências que tinham
como objectivos testar os resultados. Assim, fazer, experienciar e interpretar são sinónimos de
que “saber não é tudo, melhor, é nada em si e fazer é tudo!” (Rancière, 2007: 167)
Para os progressistas, o método de Jacotot não surgiu como uma ameaça, pois acreditavam que
esse método era um grande incentivo para a aquisição da ciência e da virtude, tanto quanto um
golpe emitido contra as aristocracias intelectuais, uma vez condenando os considerados
intelectuais da casta velha, por viverem envoltos de orgulho e pretensão, por esgrimar os saberes
estabelecidos e dessa forma serem considerados como génios, e sentir no direito de dominar os
seus semelhantes e rebaixá-los quase à condição de animal. Os progressistas criaram a Sociedade dos Métodos de Ensino, que intencionava acelerar o
progresso e propor a instrução popular. Seus membros não eram homens de acreditar apenas em
palavras, mas sim num método que põe o homem a caminhar, que vai ver, que experimenta, que
modifica a sua prática, que verifica seu saber, e assim infinitamente.
Jacotot acreditava que o método proposto pelos progressistas era contraditório, pois a ideia de
progresso subjacente se erige a partir de uma condição de desigualdade na ordem social. Ao
propor uma sociedade que pensa sob o signo do aperfeiçoamento, uma sociedade que progride,
onde todos se encontram no mesmo caminho, os progressistas gostariam de liberar os espíritos e
promover as capacidades populares. Dessa forma, o progresso é a nova maneira de dizer a
desigualdade!
O Ensino Universal compreendia a sociedade partindo do diferente, da diversidade na igualdade.
O ensino não era uma forma de homogeneizar, mas partindo da intenção de igual inteligência,
imersa em contextos diferentes, materializando de diferentes formas. Desta forma , asinstituições não seriam a única via para a emancipação intelectual. Esta poderia perpassar pelos
indivíduos e pelas famílias, derrubando a crença na ordem.
Jacotot foi um solitário no seu percurso pela defesa da igualdade e do Ensino Universal, pois
acreditava que a igualdade não era um objectivo a atingir, mas um ponto de partida, uma
suposição a ser mantida em qualquer circunstância. Sendo a igualdade um princípio praticado e
verificado, e não concedido ou reivindicado.
Como síntese final, consideramos que as linhas de força do livro traduzem-se no apresentar a
ideia do professor explicador não como promotor de uma emancipação intelectual, mas como
uma acção que aprisiona as potencialidades do sujeito. Outra destas linhas de força está na
concepção de qualquer saber como uma manifestação da inteligência humana, ou seja, osdiferentes saberes devem ser reconhecidos e valorizados com igual importância. Desta forma, só
partindo do pressuposto de igualdade dos seres humanos se poderá abrir caminho para viabilizar
as potencialidades individuais. O princípio da igualdade é fundamental, visto que o conjunto
social funciona sob a lógica do desprezo. O ato de aceitar a igualdade como princípio será a
única forma de lidar com esta irracionalidade, tentando que a acção esteja regida pela reflexão. O
essencial no processo de emancipação é que o conhecimento não pode estar desvinculado da
realidade que circunda o sujeito e que só partindo de uma filosofia de igualdade, que tem por
base a relação de “dialogicidade” entre os indivíduos, é que esta emancipação pode acontecer.











REFERÊNCIAS:
FRASER, Nancy (1997). “From Redistribution to Recognition? Dilemmas of Justice in a
“Postsocialist” Age”. Disponível em http://www.ethicalpolitics.org/blackwood/fraser.htm.
Acedido em: 12/04/09.
FREIRE, Paulo (1987). Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra: Rio de Janeiro.
RANCIÈRE, Jacques (2007). O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo
Horizonte: Autêntica.
SAGAN, Carl (2002). Um mundo infestado de demónios – A ciência como uma luz na escuridão. 3.ª ed.
Gradiva. Lisboa.
SANTOS, Boaventura Sousa (2006). A gramática do tempo: Para uma nova cultura política. Edições
Afrontamento: Porto.
VERMEREN, Patrice; CORNU, Laurence; BENVENUTO, Andrea (2003). Atualidade de O
Mestre Ignorante – entrevista com Jacques Rancière. In: Educação e Sociedade, v.24,
n.º82, 54- 61.Disponível em: http://cev.org.br/biblioteca/atualidade-o-mestre-ignoranteentrevista-
com-jacques-ranciere-debate. Acedido em: 15/05/09.
Resenhas Educativas/ Education Review
publica resenhas de livros recém-lançados na Educação, abrangendo o conhecimento e a prática em sua totalidade.

TOPA

SUMÁRIO

Introdução 01
Descrição do TOPA                                            02
Análise do programa                                           07                                                                                                                               
Opinião                                                                                                               11
Conclusão                                                                                                          14
Referências                                                                                                        15

                                                                                                                             1
INTRODUÇÃO

       O presente trabalho aborda uma situação de ordem social e econômica em relação ao analfabetismo na Bahia, que envolve políticas públicas para a tentativa de mudanças para o quadro social. Dentre eles, destaca-se o Programa TOPA – Todos pela Alfabetização, que busca abranger um público-alvo de jovens, adultos e idosos, vindos de diferentes contextos sociais.
       E, para melhor reconhecimento do projeto, se faz necessário estabelecer a relação entre o período de implantação do programa com sua concepção político-pedagógica, para a articulação histórica do início desta política pública até então e sua expectativa em atender e/ou suprir as necessidades educacionais da população menos favorecida. Aqui, será possível compreender a ideologia do programa a partir de uma descrição, uma análise e uma opinião crítica sobre as perspectivas desenvolvidas pelo TOPA, e, dentre eles, destacar a inserção dos indivíduos no contexto geral da sociedade em prol do benefício enquanto estrutura social, educacional e enquanto pesquisa.
       
        
       
O que é o TOPA

       O Programa TOPA - Todos pela Alfabetização - é uma política pública estadual implantada pelo ministro da educação (Fernando Haddad), juntamente com o governador da Bahia (Jacques Wagner), com o objetivo de alfabetizar novos públicos baianos. É um projeto que visa o processo inicial de ensino-aprendizagem e encaminhamento dos alfabetizados à rede regular de ensino. 
      P
romove a jovens (acima de 15 anos), adultos e idosos não-alfabetizados, que não tiveram a oportunidade de acesso a escola, ter o contato com a educação da qual necessitam para uma vivência em sociedade, no sentido de (re) conhecimento dos códigos de linguagem, apreensão da leitura e da escrita, reflexões sobre seu papel enquanto cidadão e melhor inserção no mercado de trabalho.
      Este programa foi criado no ano de 2007, visto que o índice de analfabetismo no estado da Bahia era representado por um grande número, e atualmente está presente em 407 municípios aliados a prefeituras municipais, movimentos sociais e sindicais, bem como universidades públicas e privadas.
 
       O TOPA foi desenvolvido numa perspectiva de alfabetizar um milhão de baianos até 2010, e até então cerca de 841 mil pessoas foram alfabetizadas (84,1% da meta). Este projeto atende a um grupo de pessoas em específico que, por algum motivo, pularam as etapas de sua formação escolar. Essa evasão trouxe reflexos tanto do ponto de vista social quanto de pesquisa, a qual mostra um grande contingente de não alfabetizados em todo o país, sobretudo, na Bahia. Dentro desse conjunto, emerge o pensamento de possíveis mudanças para este quadro, a criação de políticas públicas capazes de modificar o grande problema social fortemente vinculado à educação.     
       Para adesão do projeto tanto na zona urbana, quanto na zona rural
são selecionados coordenadores de turma, alfabetizadores, além de tradutores de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) para os deficientes visuais estarem igualmente inseridos nesse contexto. Segundo a Secretaria de Educação da
                                                                                                                      
                                                                                                                             3

Bahia, quanto a essa seleção, a prioridade mantida para a contratação dos                                                                                                                             seguintes participantes é: professores das redes municipal e estadual de ensino, graduandos dos cursos de licenciatura das universidades estaduais, federais e privadas, educadores dos movimentos sociais e sindicais ou que possuam experiência em educação popular.
 
      Nessa proposta desenvolvida pelo TOPA, há todo um contexto envolvendo emoções da parte do educador e do educando, pois ambos precisam estar preparados para administrar situações de adversidades em sala de aula. Cada ser envolvido nesse processo tem históricos de vida diferentes, dificuldades, frustrações e limitações das quais necessitam ser supridas dentro do espaço escolar. 
      Nesse sentido, geralmente os alfabetizadores participam de treinamentos antes de atuarem na docência, uma preparação que tem como carga horária 60h de instruções sobre como desenvolver planos de aulas, orientação para aplicação das atividades e debates sobre temas diversificados com discussões de problemáticas a cerca do que enfrentarão no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. Também são colocados em discussão conteúdos relevantes para se trabalhar em sala de aula, pois a proposta é trabalhar temas geradores, do cotidiano ou da vivência de cada um ali presente, articulando-se com os assuntos de responsabilidade do educador.
       Existe todo um suporte dado pela Coordenação do Programa para ressarcir o alfabetizador quando se deslocam para os encontros de treinamentos (em caso de custos). Materiais didáticos, como os módulos dos alfabetizadores e dos alfabetizandos também são disponibilizados. Toda a verba repassada pelo Estado - já que o programa é de responsabilidade do Estado -, vem do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que corresponde aos custos dos materiais disponibilizados, bem como o pagamento de coordenadores e alfabetizadores.
       A execução das aulas pelo alfabetizador deve ocorrer em ambientes como escolas, igrejas, associações de bairros, contanto que tenha estrutura adequada para a realização dos encontros. Deve-se construir um calendário que contemple oito meses (período correspondente ao ano letivo do programa)                                           

, no mínimo, 320h/aula, construído pela colaboração dos membros que corresponde aos coordenadores, alfabetizadores e tradutores intérpretes de LIBRAS.
       Os coordenadores são responsáveis pelo acompanhamento dos alfabetizadores. Dentre os seus papéis no programa, há o de formar no mínimo 10 turmas da zona urbana ou 08 da zona rural, sendo no máximo 15 turmas para ambas as regiões. Deverão supervisionar pelo menos 07 turmas da zona urbana e 05 da                                                                                                                             4
com rural (se o coordenador atuar nessa região); controlar e auxiliar pedagogicamente as turmas; incentivar os alfabetizadores a utilizar os testes de desenvolvimento cognitivo dos alfabetizandos (de quando iniciou o programa até o seu término); avaliar a freqüência dos alfabetizadores e tradutores de LIBRAS; encaminhar, junto com a Coordenação Pedagógica do Programa, os educandos à sua continuidade dos estudos da EJA na rede regular de ensino.

       No caso do alfabetizador, o mesmo deve montar uma turma de 20 a 25 alunos, tratando-se das zonas urbanas, e de 10 a 25 alunos das zonas rurais (caso dêem aula nessa região). Deve respeitar a supervisão do Coordenador de turmas, bem como suas devidas avaliações; fazer um plano de aula correspondente a oito meses (duração do ano letivo do programa); estar presente na formação continuada, organizada pelo seu coordenador uma vez por semana (duração de 2h) ou quinzenais (duração de 4h); deverão aplicar os testes cognitivos durante o processo de alfabetização e ter o acompanhamento da assiduidade de seus alunos. Para isso acontecer, os alfabetizadores e alfabetizandos se reúnem durante 2h30min ao dia para a realização das aulas, quatro vezes por semana, sendo o alfabetizador contemplado com uma bolsa de R$250,00 (duzentos e cinqüenta reais) ao mês.
       Os alfabetizadores são responsáveis por todo o processo de ensino-aprendizagem da turma. A avaliação do grupo não cabe somente ao coordenador, pois o alfabetizador é quem vivencia o contínuo e árduo processo do ensino-aprendizagem de seus aflabetizandos, e por isso deve estar atento a tais limitações e às habilidades desenvolvidas por eles ao longo do programa, ou seja, estar ciente da produtividade de seus alunos e os pontos a serem mais                                                                                                                                                                                                                                                                                
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analisadas. Com base nesta análise, é aplicada a cada três meses uma                                                                                                                        
avaliação capaz de verificar o crescimento da turma, primeiro de forma individual - focando a postura de cada aluno em sala (o que mudou; o que não mudou) - e posteriormente, fazendo a avaliação geral do grupo.
       Quanto aos tradutores intérpretes de LIBRAS, sua função básica é adaptar os materiais disponibilizados em sala para a possível alfabetização dos deficientes; auxiliar os Coordenadores de turma para identificar estudantes com necessidades especiais, além de participar, em iguais condições aos alfabetizadores, dos encontros de formação continuada semanais e/ou quinzenais.
       Além desses critérios, para atuar na docência do TOPA é preciso ter idade a partir de 18 anos e nível de escolaridade médio completo com, no mínimo, 01 ano de atuação em educação, preferencialmente na EJA.
       No entanto, dados informam que essa exigência não é atendida em alguns locais. Em pesquisa feita sobre os alfabetizadores do TOPA no município de Guanambi/BA, conclui-se que existem localidades onde a demanda de pessoas com todos os padrões exigidos é pouca, e se existem, muitos não se disponibilizam para esta prática social, o que por vezes gera o preenchimento de vagas por adolescentes (menores de idade). Outro fator preocupante é o nível de escolaridade dos voluntários, tornando-se aptos a serem alfabetizadores apenas com o ensino fundamental completo. Estes, pouco se mostram ter uma carga cultural para a prática pedagógica devido a falta da continuidade dos seus estudos igualmente aos alfabetizandos; faltava-lhes segurança na leitura e escrita transmitida ao grupo em sala de aula e não apresentam experiência docente – fatores que comprometem a qualidade do programa.
       Diante de tal descrição, conclui-se que o Programa “Todos pela Alfabetização” é uma política pública de resgate de jovens, adultos e idosos na escola, porém, com alguns pontos a serem questionados e/ou analisados. É um programa de iniciativa pública para a reintegração da população no meio
escolar e conseqüentemente social, pois o objetivo desejado ao final do programa é, além de alfabetizá-los, os incentivar à continuação de seus
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estudos na rede regular de ensino.
 
ANÁLISE DO TOPA

      É certo que o TOPA apresenta uma proposta pedagógica voltada para a inclusão escolar e social de educandos, com possibilidades de alfabetizar pessoas de diferentes faixas etárias, visando assim, a reintegração dos mesmos nas escolas e os estimulando à volta aos estudos.
      O Topa foi criado, em sua essência, esperando-se dos alfabetizadores a construção de uma postura de mediador que investigue e reflita sobre como trabalhar com este público, visando o possível rendimento das aulas com base no exercício de escuta sensível de seu alunado, para a promoção de ações alfabetizadoras críticas e libertadoras. 
     
Os resultados desse trabalho fortalecem ainda mais a necessidade de reflexão sobre a organização dos trabalhos pedagógicos na alfabetização de jovens, adultos e idosos; o modo de os professores lidarem não somente com os educandos, mas também com as práticas pedagógicas do TOPA. Enfim, detecta-se a necessidade de uma formação docente que contemple as particularidades gerais do programa.
        Na perspectiva de alfabetizar e formar um alunado preparado para se posicionar criticamente na sociedade é de extrema importância que o educador conheça não apenas o processo de ensinar e aprender, mas é preciso ter disciplina intelectual e prática - ambas devem estar presentes igualmente à disciplina política, pois através dessa disciplina exercemos o papel de cidadãos, de cooperação para as práticas sociais.
        O passo inicial do programa é levar os aprendizes a se familiarizarem com as letras do alfabeto e decifrar suas escritas, ganhando estabilidade para ler e escrever, para lhes permitirem revelar livremente quais hipóteses são construídas a partir da noção alfabética, e iniciação da sua própria produção textual.
         Porém, trazendo à tona a perspectiva do projeto em foco, torna-se necessário que as demandas de alfabetizadores sejam revistas, uma vez que a qualificação de profissionais e exigência do regulamento para a prática docente
no programa é pouco atendida.
        Diante de posturas de educadores sem o nível de educação básica completa, os quais se tornam aptos a realizar ações alfabetizadoras, soa como uma desvalorização ao processo educativo de jovens e adultos, pois muitas exigências não são entendidas como relevantes ou imprescindíveis para atuação docente no projeto, tornando duvidosa sua eficácia enquanto compromisso em alfabetizar e encaminhar o grupo a dar continuidade ao processo educativo. Em decorrência disso, não é raro de se encontrar atitudes de educadores que limitem ações do projeto como ensinar a escrever e ler seus próprios nomes.
        Vimos que, passados os oito meses do programa, os alfabetizadores junto com o Coordenador de turmas e a Coordenação geral do TOPA, incentivam os alunos a continuarem suas etapas da formação escolar. Na continuação do TOPA - já na rede regular de ensino - são desenvolvidas atividades individuais em sala, de acordo com o desenvolvimento de cada indivíduo, o que possibilita existir alunos de “variadas séries” – do 2º, 3º ou 4º ano do ensino fundamental I (antigas 1ª, 2ª e 3ª séries do primário) – em uma mesma sala de aula. As atividades não serão aplicadas para o grupo em geral, mas de acordo com o desempenho e rendimento individual do educando.
        O professor aplica atividades que desenvolva os alunos para as demais séries e, se o mesmo apresentar habilidades ou um desempenho capaz de acompanhar as séries posteriores, o professor o encaminha sem ao menos ter passado pelas outras séries.
        Esta postura remete ao desejo de adiantar as etapas escolares dos jovens, adultos e idosos; uma aceleração (adiantamento das séries) para o término dos estudos na rede regular de ensino. O que por um lado, pode significar um benefício para os estudantes, no sentido de avançar as etapas escolares para se atingir a conclusão do ensino fundamental e seu ingresso no ensino médio.
        Por outro lado, pode comprometer a formação do indivíduo e pôr em questionamento o ideal trazido pelo projeto, já que acreditam na perspectiva de oportunizar a população em ter acesso às etapas escolares pelas quais não
passou. A partir do momento em que o professor concebe ao estudante avançar duas ou três séries está furtando a oportunidade do mesmo ter acesso de desenvolver suas etapas escolares gradativamente.
       Dessa forma, os educadores devem ter uma didática fundamentada no processo de aprender a aprender. Esses educadores devem compreender que as pessoas com as quais vão lidar, sejam eles jovens, adultos ou idosos, todos têm seus conhecimentos limitados, nem todos serão “aptos” a avançar velozmente uma ou duas séries, e por isso precisam ser motivados diariamente a desenvolver suas autonomias.
       O papel do professor perpassa ao letramento, à alfabetização, mas sim, deve trazer a garantia do acesso ao conhecimento em sua amplitude: o reconhecimento de seus direitos como cidadãos; a luta por este reconhecimento e respeito; a reflexão e ação crítica quanto às imposições da sociedade; os valores, as condutas, a ética e moral afloradas no processo educativo (dentro da sala de aula, a partir da vivência com uma diversidade de seres, saberes e opiniões) e nas organizações sociais.
        Para tanto, os educandos devem fazer valer de sua aceitação como seres humanos, a aceitação do “eu” - fundamental para a auto-estima e credibilidade de suas ações políticas em sala de aula, para posteriormente se efetivar em outros contextos sociais.
        Todo educador em poder do seu exercício não deve ocultar os aspectos da subjetividade, ou seja, da vida emocional, e estudar apenas os caracteres cognitivos racionais dos indivíduos. O aspecto emocional é um grande marco nas atitudes dos estudantes e, por se tratar da alfabetização de jovens/ adultos, a importância do aspecto emotivo é esquecido. A avaliação e controle das emoções no processo educativo são imprescindíveis para a iniciação do aprendizado; os medos de cometer erros, de fazer inferências às questões abordadas pelo professor, a subestimação em aprender, enfim, são sentimentos muito comuns em sala de aula. E na educação de jovens e adultos não é diferente. Esse medo notadamente presente os torna rígidos e fechados, priva-os de se integrarem nas atividades, na retirada de suas dúvidas e abertura para novos conhecimentos e questionamentos.
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        Sentir-nos amados e respeitados, manter uma relação dialógica, de via dupla de comunicação, em que todos são locutores e, ao mesmo tempo, ouvintes, equivale a nos sentir vivos, reconhecidos naquilo que somos; valorizados e até estimulados.
        Ao mesmo tempo em que o TOPA é um projeto desafiador à população, torna-se um projeto de ideologia contraditória. Isto porque em uma sociedade capitalista com a qual vivemos oportunizar e capacitar a população desfavorecida a ter acesso à escola nos remete ao paradoxo, às idéias contrárias a quem está no poder neste sistema capitalista. A classe trabalhadora, desprovida do capital para implantar seu próprio negócio, está submetida a vender sua força de trabalho para sobreviver; o grande proprietário está sempre comandando e controlando a produção de seus empregados (o assalariado), mas a demanda por trabalhadores qualificados para ocupar determinado setor é pequena, falta vagas no mercado de trabalho. E, em meio a tal sistema, surge a necessidade de “mudanças” para o quadro populacional: alfabetizar, viabilizar a educação à população para melhor inserção no mercado.
         Logo, a concepção do programa pode significar um marco inicial para a verdadeira transformação no quadro social ou apresentar-se realmente como concepção político-pedagógica camuflada. Ou forma cidadãos críticos, reflexivos, capazes de analisar suas ações políticas e lutar pelos seus direitos enquanto ser social, ou limita e aliena no decorrer da formação de pessoas somente para atender as exigências mercadológicas.

OPINIÃO
 
       Tratando-se do processo de ensino-aprendizagem, Durkheim acredita que a educação é o ensinamento dos adultos sob o mais novos. Ou seja, os “mais experientes” encaminham os “menos experientes” às relações interpessoais, a partir da transmissão de conhecimentos passados de geração a geração com base nos seus valores e na cultura, para a construção de um ser capaz de estabelecer boas relações e melhor convívio social.
        Mas vejamos o quanto este pensamento trazido por Durkheim é contraditório às organizações (alfabetizador e alfabetizandos) do TOPA, se colocada em pauta “o ensinamento dos adultos sob o mais novos” no seu sentido literal, pois, no programa, não só jovens, como adultos e idosos fazem parte do alunado, tendo como seu mediador, pessoas mais novas ou “menos experientes”.
       Nesse sentido, a ação educativa desenvolvida pelo TOPA é associada à constante troca de conhecimentos, uma vez que todos envolvidos nesse processo vivem em contextos diferenciados e, ainda que sejam considerados não alfabetizados, carregam consigo conhecimentos adquiridos ao longo de suas vivências no meio coletivo. Os “menos experientes” apresentam conhecimentos dos quais os alfabetizandos desconhecem, e os estudantes apresentam conhecimentos que a vida os ensinou e que os seus alfabetizadores, por vezes, o desconhecem da mesma forma.  
        Mesmo sendo pessoas que nunca tiveram acesso à escola, isso não traz a garantia de que os envolvidos no processo educativo não tenham conhecimento. Cada ser ali presente tem saberes de senso comum, desenvolvidos a partir da vivência em sociedade através da prática social.
        “Levar a educação” a jovens e adultos remete ao pensamento de que todo o conhecimento que eles trazem não tem valor. Então, onde ficam todos os ensinamentos passados de pai para filho, os ensinamentos que os ajudou a sobreviver nesta sociedade? E as suas próprias descobertas? Será realmente que o conhecimento está totalmente remetido ao entendimento da grafia, ou

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melhor, à educação escolarizada?
         Para que o TOPA se efetive para além da educação escolarizada, é necessário enraizar no ideal dos alfabetizadores para refletir nas suas atitudes, a concepção de que o projeto é uma ação de alfabetização que não isenta os conhecimentos já trazidos por cada um.                                       
A idéia é somar apenas com os novos conhecimentos que serão adquiridos no decorrer do processo de alfabetização, sempre articulando temas geradores (de seus cotidianos) com os conteúdos de responsabilidade do alfabetizador. 
         Esta ação desenvolvida pelo TOPA lembrou-me Libâneo, que traz as modalidades de ensino em seu livro “Pedagogia e pedagogos, para quê?”, classificando a educação escolarizada como uma educação formal. Essa educação da qual trata Libâneo está vinculada ao ambiente onde ocorre o processo de ensino-aprendizagem (a escola). Porém, o processo educativo perpassa ao ambiente pelo qual estamos inseridos, e a ação do TOPA vem para reafirmar isso, pois ela acontece tanto em espaços escolares quanto em espaços não-escolares (igrejas, associações e outros). A educação pode se dá em diferentes contextos, sejam eles sistematizados ou não, intencionais ou não, tornando-se desnecessário remetê-la ao ambiente físico em que ocorre e esquecer a importância do processo educativo em sua essência.
         A ação desenvolvida pelo TOPA viabiliza a jovens, adultos e idosos ter contato com o conhecimento de que tanto necessitamos para nos desenvolver individual e coletivamente em sociedade. A construção da linguagem oral e escrita, a produção textual e a formação de opiniões são alguns dos elementos construídos a partir da vivência coletiva (o que abrange, além da instituição de ensino, o conjunto social), tornando-se necessidade básica para comunicação uns com os outros e participação da população nos aspectos econômicos, políticos e sociais.
        Ter acesso a novos saberes nos faz crescer enquanto ser humano, cidadão, enquanto ser crítico e criativo, motivador de idéias inovadoras para o meio em que vivemos, e por isso o Programa TOPA existe para atender a esse
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real objetivo. Objetivo este que não deve estar somente na proposta implantada por mais um projeto de política pública, mas, muito além da teoria, favorecer a população (especialmente de classe C – baixa renda) a possibilidade de mudar sua vida, questionar sua posição sócio-econômica e buscar alcançar as exigências sociais e de mercado. É, através da prática, incentivá-los a ocupar novos cargos, a questionar e buscar novas respostas para tais questionamentos, a inverter sua posição nesta sociedade que não é estável, imutável, mas que se mobiliza a todo o instante, mesmo com tantas imposições, limitações e dificuldades.
CONCLUSÃO


         Vimos que o trabalho atingiu ao objetivo de expor em que se constitui o Programa TOPA - Todos pela Alfabetização, baseado na expectativa de suprir as necessidades educacionais básicas da população desde o ano de 2007 até então. Trouxe mudanças significativas sim para o quadro social como um todo, sobretudo na Bahia, e, mesmo sem ter atingido a meta inicial de alfabetizar 01 milhão de baianos, não podemos furtar a credibilidade do projeto em si.
         Porém, é certo que se faz necessário estar atento a alguns pontos aqui já levantados, bem como uma revisão do projeto por parte do Coordenador de turmas e, principalmente, por parte da Coordenação geral do programa. É preciso que todos estejam a par dos alfabetizadores incluídos neste programa e revejam as posições tomadas pelos voluntários enquanto alfabetizadores e enquanto alfabetizandos, pois, a partir do momento em que se constitui uma política pública é imprescindível haver todo um acompanhamento da adesão do projeto nos bairros, seja na instituição de ensino ou outros espaços não-escolares, a fim de fortalecer o compromisso de ação alfabetizadora e evidenciar a seriedade do programa.
        



REFERÊNCIAS
 

Orientações para adesões da 5ª etapa: Programa TOPA – Todos pela Alfabetização. Disponível em: <http://www.educacao.ba.gov.br/sites/default/files/ORIENTACOES%20PARA%20ADESAO%205A%20ETAPA%202012%20_FINAL_.pdf> Acesso em: 18 nov. 2011

OLIVEIRA, J. et al. Perfil dos Alfabetizadores do Programa Todos pela Alfabetização -TOPA/Programa Brasil Alfabetizado no Estado da Bahia. Disponível em: <
http://www.seeja.com.br/Trabalhos/17%20Pol%C3%ADticas%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o/Silvana_Thays_Isabel_Flavia_Helia_Geovane%20e%20Julia_PerfildosAlfabetizadoresdoTOPAETC.pdf> Acesso em: 2 out. 2011

Silvana Carvalho de Almeida
Thays Santos Costa
Isabel Cristina Gomes
Flávia Santos de Menezes
Hélia Lemos Nascimento 
Geovani de Jesus Silva
,Júlia Maria da Silva Oliveira

REIS, S. et al. Sentidos e significados que os coordenadores e alfabetizadores do TOPA atribuem ao programa “Todos pela Alfabetização”. Disponível em: <http://www.uneb.br/saepe/files/2011/08/Comunica%C3%A7%C3%A3o-Oral-SAEPE-2010.pdf#page=24> Acesso em: 10 set. 2011
Roseli Alves Moreira
Sônia Frota dos Santos
Profª Ms. Sônia Maria Alves de Oliveira Reis